terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Marxismo e Espiritismo

A propósito de um texto que recebi, pela inernet, onde a autora defende um "Espiritismo de esquerda".


A Doutrina dos Espíritos não é, em hipótese alguma, dialética. Porque, em hipótese alguma, ela nega o sujeito. Contrapor idéias, no sentido dialético, significa submetê-las à força do melhor argumento, não necessariamente do mais verdadeiro. Quando vence o melhor argumento, o outro é derrotado. Portanto, o outro é peremptoriamente negado. Por isso, a Doutrina dos Espíritos é exlética. Não contrapõe idéias, teses, etc., mas reúne o que há de melhor em cada um. O melhor exemplo que podemos dar refere-se ao processo mediúnico propriamente dito, onde duas inteligências diferentes, singulares, reúnem-se por consentimento mútuo e produzem um resultado que se forja essencialmente nesta relação. Se fosse produzido individualmente seria diferente, mas não contraditório. Provavelmente complementar. No processo mediúnico temos duas maneiras diferentes de ver as mesmas coisas, mas que não se negam mutuamente, fundem-se e permitem um resultado inédito, só possível nesta fusão.

A grande diferença entre espiritismo e marxismo vem da premissa, conforme relatado no texto abaixo: o ser espiritual que cria o mundo versus o mundo material que cria o ser. Conforme o ponto de partida (material ou espiritual), podemos construir verdadeiros tratados de ciência política, econômica e social, com absoluta coerência interna. Por exemplo, na obra de Marx não encontraremos nenhuma contradição interna com a sua premissa (homem máquina). Daí o grande sucesso que alcançou nos meios acadêmicos. Depois do Iluminismo, Deus estava morto e, portanto, dispensável como meio de compreender-se o mundo, conforme afirmara Pierre Laplace, diante de um Napoleão surpreso.

Mas, voltando à premissa. Como máquinas, os homens podem ser regulados, sincronizados, reformados, etc., reduzindo-os a denominadores comuns, como a sociedade comunista: todos com as mesmas necessidades, os mesmos desejos, sem diferenças, portanto, sem conflitos e providos rigorosamente, da mesma forma, por um Estado messianicamente protetor. O materialismo histórico é, antes de tudo, determinismo histórico. O homem máquina não pode ter livre arbítrio.

Máquinas, quando muito, são nossos corpos biológicos que, eventualmente, desregulam, quebram e precisam de conserto. Mas como espíritos, não somos reguláveis, mas auto-reguláveis, auto-organizados, auto-educados. Sempre faremos a metábole das informações que recebemos, transformando-as em conhecimentos próprios, singulares, únicos, porém, semelhantes com os demais, porque como princípio inteligente somos iguais, temos uma essencialidade que nos faz pertencer a uma totalidade, mas como espíritos individuais somos diferentes. Vemos as mesmas coisas de modos diferentes e, assim, complementamo-nos no caleidoscópio da existência. Por isso sempre precisaremos uns dos outros, pois, por sermos diferentes, somos incompletos, inacabados. É desse socialismos que nos fala Leon Denis e a educação que propunha objetivava capacitar a todos para cada um ser ele mesmo, na sua singularidade.

Sim, penso que é possível um socialismo de inspiração espírita, no qual todos devem receber os insumos básicos da Sociedade para alcançarem a sua singularidade, desenvolverem seus talentos e habilidades, que são únicos e insubstituíveis. À Sociedade como um todo cabe prover seus cidadãos através da socialização dos bens básicos (saúde, educação, segurança, alimentação, moradia, etc.) e da enculturação, permitindo a cada um encontrar o seu veio natural para alcançar a sua auto-expressão. Não há, portanto, contradição entre indivíduo e sociedade, bem individual e bem comum. Procurar por todos os meios disponíveis e democráticos desenvolver sua individualidade não significa egoísmo ou individualismo, mas o fortalecimento do todo a partir da edificação das partes. Indivíduos plenamente desenvolvidos em suas aptidões e habilidades fazem um sociedade forte. Vide as sociedades mais avançadas e, portanto, mais ricas. Na base dessas comunidades estão os insumos básicos, os pontos de partida, disponíveis a todos, pela igualdade de oportunidades, ou seja, educação e saúde de qualidade, segurança alimentar e moradia. Uma das sociedade mais justas, segundo organismos internacionais, é a sueca. É na Suécia que podemos encontrar a situação descrita acima. De uma maneira geral, nos países nórdicos, na Suíça, no Canadá, etc.

Para finalizar, A Doutrina dos Espíritos e o Marxismo são doutrinas coerentes com as suas premissas; ambas visam a felicidade do ser humano, mas não falam do mesmo ser humano; tem preocupações sociais, com justiça, mas não se referem à mesma sociedade. Portanto, são como as rodas de um tem, andam em trilhos paralelos que jamais se encontram, nem no infinito.

Parte da Igreja Católica inventou uma Teologia da Libertação, na qual estabeleciam fronteiras de contato entre marxismo e cristianismo. Não fizeram outra coisa a não ser criar um monstro, um frankstein, além de esvaziar os templos e impulsionar o pentecostalismo e as seitas caça níqueis.

O Espiritismo não tem ala. Alas são dialéticas, negam-se mutuamente. Nem esquerda, nem direita. O partido do Espiritismo é o Partido da Humanidade.

3 comentários:

serginho athayde disse...

Muito bom. Você ainda pensa que é possível um socialismo de inspiração espírita.
A dialética ainda é um olhar importante, porque ainda vivemos numa sociedade onde a luta de classes é uma realidade.
No entanto, estou tomando conhecimento da exlética agora. Talvez esta ferramenta nos leve a ter uma visão mais aprofundada dessa realidade fragmentada e complexa.
Quanto a sociedade comunista nunca existiu, chamá-la assim foi uma ação de propaganda.
Quanto a mim, como a exlética afirma, o marxismo em relação ao capitalismo tem muito a dizer.
Quanto ao Partido da Humanidade não existirá nunca, porque partido é parte e humanidade é todo.
Muito bom poder dialogar sem querer ganahr e respeitando o outro.

Wagner disse...

Agradeço ao professor pelo esclarecimento.

Sempre antipatizei com o marxismo, mas ainda não li ‘O Capital’, e pensava que talvez estivesse cometendo alguma injustiça em relação a Karl Marx. Meu discurso se baseava no fato de que onde se “aplicou” o marxismo URSS, Cuba, China... serem locais de desrespeito a liberdade onde os seres humanos são tratados como o gado de corte.

Após ler seu texto vejo que não cometi erro em combater o marxismo nas conversas com amigos e colegas.

Fico triste ao encontrar irmãos no movimento espírita, infelizmente muitos cultos e educados, que engrossam as fileiras do movimento da esquerda brasileira, mais especificamente do Partido dos Trabalhadores, e que votaram no nosso atual presidente Lula, alguns por duas vezes consecutivas.

Se me permite a liberdade, gostaria de saber como o senhor sugere que este assunto, o marxismo e o movimento da esquerda brasileira, devem ser abordados?

Rui Simon Paz disse...

Wagner, penso que devemos tratar o tema da maneira que expressei no blog, ou seja, são inconciliáveis, pois partem de premissas diferentes. Um tem o "homem máquina" como ponto de partida, portanto, um ser resultante de meras reações químico-mecânicas. O outro, tem o espírito como ser inteligente e transcendente, que reencarna e evolui pela escolaridade da Terra. Não há, pois, como conciliar essas duas premissas.
Nada obstante Marx ter se preocupado com a condição humana e, tudo indica, ter desejado o bem estar da humanidade, a premissa compromete os objetivos. Se não, vejamos: quando Pol Pot assumiu o poder no Camboja, em 1975 e instalou o regime do Kmer Vermelho, pretendia construir uma nova sociedade, a partir de um novo homem. O resultado foram 1.000.000 de mortos, ou seja, 20% da população do Camboja de então. Tudo para criar uma sociedade justa, fraterna, baseada na igualdade absoluta. Esse desiderato só se constitui a partir da premissa do homem máquina, pois só um ser máquina seria passível de ser ajustado e regulado para os desígnios que o partido desejasse. No "homem máquina" não há indivíduo, portanto, não há individualidade e sem singularidade. Todos dever ser nivelados ao "modelo". E quem define o modelo são os ideólogos do partido. Assim foi na antiga União Soviética, é na China, em Cuba, Coréia do Norte, etc.

Grato pelos comentários.